terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Ave Sangria. Uma leitura psicodélica do Nordeste.

-Por Raphael Oliveira

Pra quem é Pernambucano como eu, gosta de Rock como eu, curte Psicodélico e Progressivo como eu e não conhece Ave Sangria, PLEASE BITCH!!! Get Out Of Here!!!


Imaginemos o seguinte cenário: Ditadura Militar, meados da década de 70 onde o cerco da censura era cada vez mais fechado e aqui em Pernambuco os "milicos" eram cada vez mais opressores pois guiavam os órgãos censores com rédeas curtas. Em âmbito Nacional Caetano, Gil e Vandré estavam longe de sua terra natal, "convidados" a deixar seu país.

Exatamente neste cenário surge um expoente da música Pernambucana, um expoente da música Psicodélica brasileira, surge o Ave Sangria!! 

Na verdade, a banda foi criada no ano de 1972 pelos amigos Marco Polo, Almir de Oliveira e Ivson Wanderley (Ivinho), este último vindo de uma banda que figurou no cenário da Jovem Guarda pernambucana e até nacionalmente, Os Selvagens.

Antes de se chamar Ave Sangria, a banda em sua primeira formação se chamou Tamarineira Village, e sinceramente não sei lhes dizer qual nome é melhor, Tamarineira Village ou Ave Sangria, os dois nomes são sensacionais e o primeiro nome da banda é bem icônico principalmente pra quem é do Recife e sabe o sentido da palavra Tamarineira.

Inclusive a banda mudou de nome por sugestão de uma cigana que eles conheceram no interior da Paraíba e essa história da Cigana é só uma das várias histórias curiosas desses malucos.

Depois já com o nome Ave Sangria se juntaram a banda Paulo Rafael (Atual guitarrista de Alceu Valença), Israel Semente Proibida (Outro nome foda bagaray) e Agrício Noya. Assim Nasceu o maior expoente do Rock Psicodélico Recifense.

O início foi bastante problemático pois o público era bastante limitado, nacionalmente já existiam os Mutantes, Secos e Molhados, Novos Baianos, Raul Seixas, Ronnie Von que tem sua fase psicodélica pós Jovem Guarda que merece um post aqui desse vos fala. Mas em Recife não existia essa Cultura da Contracultura, essa última frase ficou complicada mas dá pra entender vai...

A banda engrenou vários concertos no Recife, principalmente no Teatro de Santa Isabel, e começou a fazer pequenas excursões pelos arredores, como interior de Pernambuco, Paraíba e outros locais, Marco Polo dizia que pra chamar atenção do público e da crítica começaram a pintar seus lábios de vermelho, parecia que estavam usando batom, mas na verdade era merthiolate, e pra quem é da minha época sabe que naqueles tempos o remédio ardia bastante, hoje em dia até pra se ralar tá mais sussa.

Chamando atenção no cenário local e por indicação do empresário dos Novos Baianos o Ave Sangria foi convidado a gravar seu primeiro disco que seria lançado pelo selo Continental.


Continuando com as maluquices da banda, assim que eles receberam o convite para gravar o disco a banda foi percebendo que essa gravação tinha tudo pra dar errado pois eles eram totalmente inexperientes em estúdio, na verdade boa parte da banda nunca tinha entrado num estúdio, e outro agravante é que a pessoa responsável por produzir o disco foi o também inexperiente Marco Antonucci, que vinha com uma rodagem maior na Jovem Guarda pois ele tinha uma banda chamada Os Vips que fez bastante sucesso no sul do país. Então aquele som Psicodélico era desconhecido pelo produtor.

Essa série de fatores contra, não tirou o bom humor dos caras do Ave Sangria que assim que chegaram a gravadora Continental, já prevendo toda a zoação que viria pelo fato de serem Nordestinos, empunharam cada um uma peixeira e entraram bradando para os quatro cantos que eles eram da terra de Lampião e que problemas com eles se resolvia na base da peixeira!
Com toda essa brincadeira se inicia os trabalhos no primeiro e único disco da Ave Sangria.

O disco não conseguiu reproduzir toda a aura dos shows ferventes do Teatro de Santa Isabel, o produtor Marco Antonucci não sabia o que fazer com aquela mistura de música nordestina com distorções e efeitos malucos de sintetizadores, o disco acabou recheado de timbres acústicos mas mesmo assim o disco não deixou de ser genial, inovador e esse disco quebra uma barreira tênue que até então apenas nomes como Lula Côrtes e Zé Ramalho tinham rompido.

A gravadora não ficou muito contente com o resultado do disco tanto é que não trabalhou na sua divulgação, se quer pagou a arte da capa, onde tiveram que aproveitar um rascunho de desenho de um amigo, mas até no erro eles acertaram pois assim como o disco a capa também foi icônica e genial.

Voltaram para Recife e com pouco incentivo continuaram na divulgação do disco. Em Dezembro de 1974 fizeram um show antológico no velho e conhecido Teatro de Santa Isabel, o show se chamou Perfumes Y Baratchos e nas palavras do Jornalista do Diário de Pernambuco, Pedro Siqueira:

"Há 40 anos, euforia definia a emoção do público no Santa Isabel. O cartaz, feito pelo cartunista Lailson, dava o tom do espetáculo, “Prepare-se que o seu coração vai sangrar”. Na gravação pirata do áudio, é possível ouvir Marco Polo pedindo aos porteiros do teatro que liberem a entrada de quem ficou de fora. No repertório, músicas como Geórgia, a carniceira e Hei! Man deixaram os fãs ensandecidos. “Somos jovens, e urbanos, crescemos vendo TV e ouvindo os Beatles. Mesmo que não quiséssemos, não poderíamos negar esta realidade entranhada em nossa carne”, dizia a mensagem da banda reproduzida em matéria do Diario de Pernambuco de dezembro de 1974."

Com o sucesso o Ave Sangria começou a chamar a atenção das autoridades e por indicação da esposa de um General do Exército que se sentiu ofendida com a música Seu Valdir pois o autor da música Marco Polo declarava todo seu amor a este cidadão que se quer existia a música foi censurada, isso causou um frenesi tão grande que se espalhou um boato que Seu Valdir era um senhor que morava em Olinda, outros diziam que era um jornalista que Marco Polo conheceu antes de iniciar sua carreira musical. Quando a música Seu Valdir foi censurada tiveram que recolher todos os discos das lojas para ser relançado sem a bendita faixa Seu Valdir.

Quando os discos voltaram as lojas não deu para espalhar por vários estabelecimentos o disco pois já não tinha dinheiro para uma tiragem maior, para piorar a situação houve em 1975 uma cheia catastrófica na cidade do Recife que acabou destruindo quase todos os exemplares distribuídos nas poucas lojas que tinham os discos, com isso hoje em dia o disco do Ave Sangria se tornou um item valioso de colecionador, pra não perder a oportunidade, vou me exibir e dizer que eu tenho o disco da tiragem original de 1974 ainda com a faixa Seu Valdir o que torna o disco ainda mais valioso :) :) :)

Pra fechar a história da formação original da banda, com o tempo a mídia foi perdendo o interesse pela banda, um clipe que seria exibido no Fantástico da música Georgia A Caniceira foi cancelado, e o fôlego da banda foi acabando, afinal alguns eram pais de família, já não tinham o mesmo retorno financeiro e se findou aquele ciclo mágico da música Pernambucana.

A banda voltou a fazer shows no ano de 2009 contando com Paulo Rafael (membro original), com o antológico baterista recifense Ebel Perreli, se apresentaram no Recife, também fizeram shows no festival Psicodalia. Atualmente a banda está na ativa com o seu Frontman Marco polo mais uma vez guiando o voo da Ave e tem feitos shows junto com ícones da música nacional como Arnaldo Baptista dos Mutantes.

Pra fechar o Post indico a vocês um bootleg gravado no SESC Belenzinho em São Paulo, com um detalhe, os dois ICONICOS guitarristas pernambucanos Paulo Rafael e Ivinho dividindo o palco:

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